Por Mariana
Cavalcante Ouverney (Aracaju, 08 de março de 2017)
O dia da mulher é todo dia. Mas não
podemos negar que o dia de 08 de março é uma data de nos leva à reflexão sobre
a situação do gênero feminino em nossa sociedade e no mundo.
A morte no incêndio daquelas
corajosas mulheres trabalhadoras da fábrica têxtil em 25 de março de 1911 na
cidade de Nova York é um marco na luta pela emancipação feminina. No entanto,
esse ato só foi possível porque já havia organizações femininas ligadas ao
movimento operário que lutavam pela igualdade econômica e política, assim como
por melhores condições de trabalho e fim do trabalho infantil nas fábricas.
Desde então, muitas batalhas foram
vencidas, mas a guerra, infelizmente, continua. Seja por culturas
flagrantemente opressoras ao gênero feminino, como também por culturas
hipócritas, que tentam dissimular o machismo, utilizando uma igualdade de
gênero de conveniência, mas que não conseguem varrer para debaixo do tapete a
tripla[1]
jornada de trabalho feminino nem a violência doméstica como problemas sociais.
E como no Brasil temos uma tradição
de evitar (explicitar) conflitos, como já desmascarado o “Mito da Democracia
Racial”, as pessoas tendem a não pensar as questões de gênero como um problema
social, muitos ainda querem deixar a questão na esfera privada.
Se a mulher é vítima de violência
doméstica, ela não presta. Seja porque fez algo errado ou porque não soube
escolher um marido que decente. Se a mulher tem um marido que ajuda nas tarefas
domésticas, que sorte! Senão, paciência! Vamos aguentando, afinal somos de
ferro!
Até mesmo antigamente, quando o
espaço da mulher era restrito à casa, sua vida não era fácil, seu papel já lhe
exigia ambiguidade:
A arte de conservar a atração sexual
embora lavando a louça, a permanecer elegante durante a gravidez, a conciliar o
coquetismo com a maternidade e a economia; mas aquela que se sujeitasse a
seguir atentamente esses conselhos logo se veria atormentada e desfigurada
pelas preocupações, é-lhe muito difícil permanecer desejável quando tem as mãos
inchadas e o corpo deformado pelas maternidades (...); se, ao contrário, é
profundamente mãe, ela tem ciúme do homem que reivindica igualmente os filhos.
(BEAUVOIR; 1980, p. 294).
Somando a isso, agora temos a mulher
que reivindica profissionalmente seu espaço na vida pública, muitas vezes
acumulando todos esses status-papéis
na sociedade.
Apesar das diferentes realidades em
que vivem as mulheres brasileiras, herdeiras de quinhões muito desiguais de
recursos materiais e simbólicos, Venturini e Recamán, na pesquisa “A Mulher
Brasileira nos Espaços Público e Privado” em 2001, conseguiram identificar uma
identidade comum de gênero:
Como exemplo das melhores coisas de ser
mulher, temas relacionados ao mundo privado foram espontaneamente mencionados
por duas de cada três entrevistadas (65%), puxados pela experiência ou
expectativa de maternidade (55%)- ainda que mais por seu aspecto biológico ,
ligado à possibilidade de gestação, dando continuidade à vida (48%), que pelo
papel social de cuidar e educar os filhos (20%). Referências ao mundo público
foram citadas por 31% lideradas por menções à liberdade e à capacidade da
mulher tomar decisões, à possibilidade de estar no mercado de trabalho e à
independência econômica conquistada pelas mulheres (13% e 9%). Características
tidas como mais femininas, tais como ser mais sensível, carinhosa, solidária,
forte, guerreira , foram apontadas por 23% como principais virtudes de ser
mulher (VENTURINI; RECAMÁN; 2004, p. 19-20).
Mas a tudo isso, segue o fantasma da
ambiguidade:
Mas o mundo privado é também o espaço onde
as brasileiras identificam as piores coisas da condição feminina. Enquanto
referências ao mundo público, como a discriminação social machista (18%), a
discriminação no mercado de trabalho (14%) e outras, foram citadas por um terço
das mulheres, 61% deram exemplos referidos às suas principais experiências
privadas: o peso das tarefas domésticas (11%), o acúmulo de responsabilidades
na criação dos filhos (9%), a violência conjugal (11%), a saúde (14%) , o
casamento e a relação com o marido (16%) , enfim o conjunto complexo de tarefas
e obrigações que socialmente as mulheres têm em relação à instituição familiar
ou inseparáveis da condição ou expectativa da maternidade (VENTURINI; RECAMÁN;
2004, p. 20).
Apensar disso, no mundo formal a
igualdade de gênero é cada vez mais demarcada, seja para se tentar construir um
paradigma ou simplesmente tirar proveito da situação. Divisão dos custos,
guarda compartilhada, presença de mulheres em profissões anteriormente
dominadas pelo mundo masculino, igualdade de condições para aposentadoria.
Essas são algumas das questões da igualdade de gênero que estão sendo cada vez
mais institucionalizadas. São questões imprescindíveis para a concretização da
igualdade, porém devemos ter o cuidado para não cairmos mais uma vez no “conto
no vigário” da igualdade de gênero, pois se essas mudanças não forem
acompanhadas por uma mudança cultural, serão encaradas como um fardo e não como
conquistas.
E o que devem fazer as mulheres
então? Voltar à condição de somente trabalhadoras do lar, para pelo menos não
ficarem submetidas às igualitárias jornadas de trabalho na vida pública? Devem
se entregar à homoafetividade, mesmo sem vontade, pois essa é a única forma de
escapar do machismo? Ou devem abrir mão da reprodução na família para realmente
poderem se dedicar à igualdade de gênero, tanto na esfera pública como na
esfera privada?
Bom, mas como muito bem observam
Venturi e Recamán:
Como todo fenômeno de opressão, no
entanto, sua reprodução social não ocorreria se não contasse com a
internalização de valores e práticas dominantes por parte dos (as) oprimidos
(as). Assim, mesmo tendo como maior reclamação a exploração vivida no mundo
doméstico, as mulheres não deixam de expressar opiniões hegemônicas da
sociedade da qual fazem parte. Se por um lado, a maioria das brasileiras (87%)
concorda que “homens e mulheres deveriam dividir igualmente o trabalho
doméstico (71% de concordância total, 17% em parte), ao mesmo tempo a maioria
acha que a mulher deve ter a palavra final ao definir como ele deve ser feito
(71% de concordância, 47% total e 24% em parte) e acredita que “mesmo que
queiram, os homens não sabem fazer o trabalho de casa” (55%, 35% e 20%
respectivamente). Essas atitudes podem revelar uma (auto)valorização de um
conhecimento adquirido no mundo feminino, um elemento importante nesse momento
de transição do papel social da mulher- mas podem também contribuir para
reproduzir a baixa participação dos homens nas tarefas domésticas (VENTURINI;
RECAMÁN; 2004, p. 23-24).
Enfim, a transformação social para a
devida concretização da igualdade de gênero cabe principalmente às mulheres,
afinal, o poder nunca é cedido, ele é sempre conquistado. Então, vamos mudar?
Referências:
BEAUVOIR,
Simone de. O Segundo Sexo. A
Experiência Vivida. 1ª edição 1949. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
VENTURINI,
Gustavo; RECAMÁN, Marisol. As Mulheres
Brasileiras no Início do Século XXI. In: VENTURINI, Gustavo; RECAMÁN,
Marisol. . OLIVEIRA, Suely (ORGs). Mulher
brasileira nos espaços público e privado. Editora São Paulo: Fundação
Perseu Abramo, 2004.
[1]
Considero tripla jornada: o emprego formal, o trabalho doméstico e os cuidados
com os filhos. Se formos considerar a exigência social de conformidade com os
atrativos estéticos /sexuais e toda a simbologia que isso implica, podemos
falar em quarta jornada!